Por Naurelita
Maia[1]
Caros amigos,
companheiros de jornada.
Hoje troco com vocês, as reflexões provocadas a partir da leitura das obras Por uma literatura sem adjetivos[2]
e Ler e brincar, tecer e cantar[3].
Ambas maravilhosas!!
Nelas, Andruetto
(2012) e Reyes (2012) abordam questões polêmicas
e complexas que tocam de forma direta e indireta nos corações de educadores, leitores,
mediadores e escritores.
Em Por uma
literatura sem adjetivos, Andruetto (2012) tece diversas reflexões a respeito
do papel do escritor e da literatura. Discussões polêmicas, como a
classificação literária em faixas etárias chamam a atenção do leitor-mediador
para o cuidado com a escolha do livro, fazendo-nos mergulhar nas diversas
etapas de produção literária. Desta forma, emerge um olhar crítico sobre o
papel do escritor, a intervenção do estado e dos educadores e sobre a relação
íntima entre o leitor e o livro. Vejamos algumas reflexões:
O grande perigo que espreita a literatura infantil e
a literatura junvenil no que diz respeito a sua categorização como literatura é
justamente de se apresentar, a priori, como infantil ou como juvenil. O que
pode haver de “para crianças” ou “para jovens” numa obra deve ser secundário e
vir como acréscimo, porque a dificuldade de um texto capaz de agradar a
leitores crianças ou jovens não provém
tanto da sua adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade,
e porque quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero o substantivo é
sempre mais importante que o adjetivo. De tudo que tem a ver com a escrita, a
especificidade de destino é o ,que mais exige um olhar alerta, pois é justamente
ali que mais facilmente se aninham razões morais, políticas e de mercado.
(ANDRUETTO, 2012, p. 61)
Neste trecho
Andruetto chama atenção para a escolha do livro e o quanto é perigoso esta
escolha está subordinada prioritariamente à classificação. Quando o educador, a
escola ou estado escolhem as obras infantis ou juvenis presos a esta
classificação por faixa etária, se distraem do valor, do contexto, da abordagem
e qualidade da obra.
Lembro-me de nos
meus primeiros anos de magistério e contadora de histórias, fazer diversos
cursos e oficinas com escritores e educadores, os quais ensinavam-nos a
escolher a obra. Naquela época, anos 80, havia uma preocupação demasiada com a
classificação. Nos cursos e na literatura didática, aprendíamos a pegar uma
montanha de livros ditos infantis e juvenis e selecioná-los de acordo com a
faixa etária.
Este aprendizado e esta classificação, acredito ser importante para a escolha dos livros, contudo deve ser flexível, considerando outros aspectos, como a temática, ilustração, linguagem e diagramação que atraiam, encantem e divirtam o leitor.
Se por um lado
vivíamos uma redemocratização do país, nas salas de aula do ensino fundamental,
a linha determinista e moralizante do militarismo ainda imperava. Assim, embora
existissem escritores maravilhosos, como Ziraldo, Maria Clara Machado, Lúcia
Pimentel Góes e tantos outros, que encantavam e divertiam sem deixar passar
mensagens subliminares de efeito paralizador da criatividade,
haviam muitos que por profissão escreviam para “educar”, “moralizar”, através
do medo e do castigo.
Nas escolas, a
leitura era vista como uma obrigação e como um treinamento para a decodificação
de signos. As aulas de leitura eram e ainda são em muitas salas de aula,
momentos de tensão e extrema exposição do leitor e da leitora. Havia sempre um
medo da reprovação taxativa do professor, e da repetição da leitura. Lembro que
eu, graças a uma formação cuidadosa dos meus pais e dos escritores, educadores
que nortearam a minha formação, como Beth Coelho, procurava fazer do momento da
leitura, um momento de prazer, alegria, muito mais voltado para as
possibilidades de se enriquecer a vida humana com o universo de encantamentos
que o livro possibilitava.
Hoje, após
experimentar a formação leitora e escrita de crianças, jovens e adultos, me
vejo trabalhando esta formação com o mesmo encantamento e preocupação.
A biblioteca,
como espaço de formação de leitores, escritores, artistas, em fim, está
assegurando a qualidade das suas escolhas? Na Biblioteca de Ítalo, temos a
alegria de avançar neste sentido. Nos preocupamos com a
qualidade do que é escolhido. Para isso, diversos indicadores são utilizados: o
gosto dos leitores, a diagramação, o texto, a abordagem. Há sim uma preocupação
com valores, mas não de efeito moralizante no sentido paralisante da palavra.
Valores que trabalham a consciência do ser, a autoestima, o respeito às
diferenças, o desejo de compartilhar, o respeito a si mesmo e ao outro.
Chamo atenção
para a literatura que os adolescentes procuram. A maioria tem se interessado
pela literatura gótica, cujo encantamento se dá via mistério, suspense, terror
e romance. Vampiros, lobisomens, paixões, eternidade e morte dão o tempero
destas obras que há muito encantam os leitores.
Para as crianças,
os dinossauros e castelos medievais com dragões e magia, bem como fatos do
cotidiano que trabalham questões étnico-raciais são a receita da literatura que
prende o leitor, que lê e relê diversas vezes, identificando-se com as
personagens, como quem se olha no espelho e descobre-se belo, importante,
inteligente e querido.
Envolvendo todas
estas temáticas e situações, está a veia poética do escritor. Todas estas
narrativas mais lidas na nossa biblioteca têm um quê poético muito forte.
Assegurando o lado subjetivo do leitor, que dialoga com o escritor, fazendo
suas releituras, brincando, fantasiando e, porque não dizer, resolvendo
problemas internos e externos, inspirados nas emoções e sentimentos despertados
pela leitura. Assim, leitor e escritor vão tecendo histórias, criando caminhos, fazendo a própria história.
Migrando para a leitura de Ler e brincar, tecer e cantar: literatura, escrita e educação, Reyes (2012) provoca a reflexão dos educadores e mediadores a respeito das definições atribuídas à literatura. Estas definições permeiam estereótipos, ideologias que determinam por muitas vezes o que escrever e o que ler.
Os educadores precisam estar atentos ao engessamento do processo de leitura e escrita que emerge de algumas visões ideológicas. Para tanto, cabe aguçar os sentidos, ampliar as experiências de leitura e a troca de saberes. Cabe refletir sempre e questionar sobre o papel do leitor, do mediador e da literatura.
Migrando para a leitura de Ler e brincar, tecer e cantar: literatura, escrita e educação, Reyes (2012) provoca a reflexão dos educadores e mediadores a respeito das definições atribuídas à literatura. Estas definições permeiam estereótipos, ideologias que determinam por muitas vezes o que escrever e o que ler.
Os educadores precisam estar atentos ao engessamento do processo de leitura e escrita que emerge de algumas visões ideológicas. Para tanto, cabe aguçar os sentidos, ampliar as experiências de leitura e a troca de saberes. Cabe refletir sempre e questionar sobre o papel do leitor, do mediador e da literatura.
Todos nós concordamos que literatura é uma arte. Mas então, como identificar essa arte na palavra escrita ou falada, ou ainda cantada? O que se espera de uma arte literária? As classificações em escolas literárias, que consagraram alguns escritores e excluíram tantos outros refletem a arte literária como uma forma de dizer algo a respeito de si e do outro, atendendo as expectativas de um grupo social e de uma época.
Penso que literatura é a arte
de dizer coisas, tendo a palavra como vedete principal. Uma arte genuinamente
humana, que existe graças a essa capacidade que temos de criar e pensar formas,
sentimentos, indagações. Escrever e ler
torna-se assim, muitas vezes uma odisseia em busca do não dito, daquilo que incomoda, desestabiliza, ansiando uma
palavra, uma resposta. E quando a resposta vem, despontam cores, formas,
sentimentos, às vezes solitários, às vezes compartilhadas; envolvendo
leitor e escritor numa profusão de saberes e sensações que reverberam pelos
sentidos e ações de cada um, no seu viver.
Literatura, neste
contexto mais amplo, é assim, viver, experimentar... ter direito de escolher e
recusar. Literatura também é silêncio. Como o tempo que fiquei naquela espera
pela vontade de colocar no papel, ou na tela, os pensamentos que ficaram por
dias ruminando.É
vontade, como o tempo que fiquei a buscar respostas para as oficinas de
produção textual com as educadoras da Casa do Sol.
Quando se
escreve, se pensa não só no que escrever, nos sentimentos provocadores desta
escrita, mas também para que e/ou para quem escrever. O que procuramos
experimentar nas nossas oficinas de escrita, muito mais do “para quem
escrever”, foi esta função catártica que a palavra favorece. Assim, à medida
que os textos, imagens e canções desfilavam nas nossas rodas, tecíamos as
nossas próprias imagens, num reconhecimento do valor e da beleza próprios, que
nem sempre vinham acompanhados de alegria. Às vezes, a tristeza era o elemento
detonado, por este processo de leitor, que só fazia as
pazes com as leitoras, no momento em que elas (educadoras) escreviam e
compartilhavam a sua escrita, o seu olhar.
Por esta razão,
Reyes (2012) chama atenção para as oficinas de escrita, como momentos que vão
além do ato de escrever. A leitura e a escrita acontecem a todo momento, no
fazer linguagem, no nomear as coisas, no criar palavras. Como a autora observa:
“cada um constrói sua própria casa de palavras” (REYES, 2012, p. 24). E
continua:
Se algo o exercício de ler e escrever ao lado das
pessoas permite é aproximar-se de formas de pensar e sentir; esquadrinhas modos
de expressar-se, de narrar-se e de construir a história pessoal e coletiva,
que, pensando bem, está intimamente relacionada com a linguagem. Neste sentido,
parece-me que não podemos pedir milagres às oficinas esporádicas de criação
literária. O capital simbólico e a alfabetização emocional e criativa constituem
o instrumento imprescindível de um escritor, como o são para o pianista, o
treino das mãos, ou para a bailarina, o controle das posturas. (REYES, 2012, p.
53)
Isto me tranquilizou em relação às nossas
oficinas, trouxe possibilidades de novos formatos para esta prática literária.
O exercício requer paixão, vontade, encantamento, que aliados à constância e
continuidade do exercício, resultarão em novos modos de ler e escrever, e de perceber-se e
perceber o outro, que vão se refazendo e se
reconstruindo ao longo das existências. A leitura e a escrita são assim, esse
espaço mágico e intrigante que que inicia com
o despertar do dia e continua embalando os nossos sonhos.
Saudações Literárias!
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